Quem não lembra aquelas gaitinhas tão gastas, com seu fole amachucado, com aqueles seus decolgadalhos de cor vermelha e amarela, com os que se adornava seu roncão...?
Que difícil esquecer aquelas duas cores que tanto feriam nosso olhar infantil só por coarem, com o embelezamento da música, uns valores râncios dentro de nossas indefensas mentes... A música era nossa, e era galega, apesar de aquela vergonha de vestimenta em nossos instrumentos musicais.
Sim, eu acho que todos, ou tão sequer os do meu tempo, lembramos aquelas fotos dos nossos gaiteiros, com a parelha da “guardia civil” sempre incluída na imagem, com seus tricórnios na cabeça. As armas que portavam até os faziam aparecer mais grandes e fortes do que eram, mais grandes ainda que os nossos gaiteiros, que eram os que mandava na festa; embora fossem os “guardias” os que a mandavam parar... Mas não e deles que eu queria falar, embora foi mencionar as gaitas dos enfeitamentos vermelhos e amarelos e aparecerem-se-me eles. Enfim, cousas do “inconsciente colectivo” que diria o outro.
Eu o que quero é só dizer que fico contente por saber que fomos quem de limpar aquela porcaria de acima das nossas gaitas, tirar toda a caspa que botaram nos nossos instrumentos musicais, e isso até bem certo é que tem influência nos cultivadores das nossas músicas, cada vez melhor tratadas; embora ainda com alguma crítica, porque nunca falta aquele que diz que com isso nossa música agora se parece com a da Irlanda, e o diz como se isso fosse fazer nossa música menos nossa. Quando penso nos gaiteiros de hoje em dia não se me mete a “guardia civil” na imagem. E também vejo os grupos de dança do nosso folk vestindo com cores próprias nossas, e tecidas nas nossas nobres fevras como é o linho ou urdidas em estopa...
Terra que não esquece
Para isso há gente como as mulheres de Vilar de Santos, na Límia, terra do esquecimento que não esquece, que cada ano dedicam mais energias e tempo a esses trabalhos do linho... sementar, tirar ervas, arrincá-lo, maçá-lo ao ritmo da musica da tijola e a lata, (antigamente era o violino) levá-lo ao rio e empoçá-lo, depois de curtido estender o baganho nas penedas que ainda hoje levam esse nome (penedas do baganho), e depois tascar, ripar, escarmear (ou escarmear é só para a lã?) fiar, tecer,... e depois cortar e coser... Eram trabalhos que enchiam a vida da gente. E com essas fevras nossas se cosem agora os vestidos das nossas bailarinas e dançarinos que já não têm que vestir com aqueles trapos vermelhos e amarelos, sobre negro, como se viessem de servir de Castela. E com isso se foi limpando também a imagem na que cada vez me custa mais deixar estar a “guardia civil”.
E agora a pergunta, a grande pergunta: Até quando vamos permitir que decolgadalhos que vêm dessa mesma época, e eu acho que da mesma mão, e da mesma rância ideologia, cubram de caspa a nossa língua?
Sim, querida leitora, querido leitor, refiro-me a esses signos ortográficos que são próprios de outra língua, e só dela, e que à nossa não lhe fazem falta nenhuma nem, se me permites, lhe favorecem... Nós temos os nossos próprios materiais para tecer as vestimentas da nossa língua; e também, é claro, da nossa literatura, que, como a nossa música, não só deve ser galega, senão também parecê-lo. Eu não ignoro que isto é trabalhoso, tanto como o do linho ou, ou... Ora, tirar esses elementos casposos, que a mim, não sei porque, não fazem outra cousa que lembrar-me à “guardia civil”, é nosso dever.
Concha Rousia nasceu em 1962 em Covas, uma pequena aldeia no sul da Galiza. É psicoterapeuta na comarca de Compostela. No 2004 ganhou o Prémio de Narrativa do Concelho de Marim. Tem publicado poemas e relatos em diversas revistas galegas como Agália ou A Folha da Fouce. Fez parte da equipa fundadora da revista cultural "A Regueifa". Colabora em diversos jornais galegos. O seu primeiro romance As sete fontes, foi publicado em formato e-book pola editora digital portuguesa ArcosOnline. Recentemente, em 2006, ganhou o Certame Literário Feminista do Condado. »