Há pouco que voltei de Veneza onde se celebrou a Assembleia anual da Aliança Livre Européia (ALE), a formação política que no Parlamento Europeu configura com os Verdes o quarto Grupo da Câmara. ALE reune a formações políticas com experiência política e de governo em Galiza, Escócia, Gales, Flandres, Bretanha, Córcega, Catalunha, Euskadi, nações com capacidade para serem reconhecidas como entidades estatais e integra também múltiplas minorias nacionais e culturais de boa parte dos Estados membros ou candidatos a integrar na União, desde frisões alheados em três Estados do Mar do Norte a macedónios de Bulgária no Mar Negro. A pertença a ALE contribui a fazer visíveis realidades negadas e reivindicações não resolvidas.
A reunião coincidíu com a campanha das eleições regionais italianas que finalizou com uma vitória das formações de esquerda, depois de ter perdido as eleicións estatais e européias a mãos da direita encabeçada por Silvio Berlusconi.
A Itália política convalesce dos traumas sofridos durante a época da Guerra Fria, quando recém superado o fascismo, o Partido Comunista Italiano de Enrico Berlinguer, fondamente enraizado na sociedade e independente na sua estratégia democrática, foi vetado durante décadas por poderes internacionais dirigidos por EEUU, negando-lhe o direito a aceder ao governo estatal e instrumentar a sua alternativa programática. Com o veto à formação de Berlinguer os italianos foram obrigados a suportar anormais alianças de governo entre democrata-cristãos e socialistas. Sustentadas por poderes ocultos, as teimudas coligações entre os partidos de Giulio Andreotti e Bettino Craxi, apodreceram no do imobilismo e a corrupção, caindo estrondosamente após das denúncias de instâncias judiciais protagonizadas pelo movimento Mãos Limpas.
Infelizmente, a caida daquele sistema descomposto não foi seguida pela emergência de outro democrático e baseado na justiça e na honradez. Desapareceram os partidos democrata-cristãos e socialistas, sendo substituidos polo populismo de um Berlusconi que enriquecera e se fizera dono dos principais médios de comunicação graças aos favores concedidos pelas forças denunciadas, particularmente por Craxi, sem que a esquerda identificada com o PCI chegasse a convertirse na força transformadora e de governo que o país precisa. Afogado em dúvidas e desencontros o PCI integrar-se-ia no socialismo europeu para reunir-se agora com forças centristas no Partido Democrático.
Porém, Itália é muito mais que esse mundo político convalescente. O caos político-institucional existente dificulta o progresso do pais e sua influência tanto na UE como internacionalmente, mas a riqueza histórica, a capacidade industrial, o dinamismo social e a criatividade cultural e científica de Italia não se podem ocultar. Reflete-se por toda a parte. Turim, Como, Milão, Génova, Florença, Siena, Módena, Bolonha, Parma, Pádua, Ferrara, Veneza, Ravena, Asis, Perugia, Roma, Nápoles, Bari, Palermo, Taormina, Siracusa, Cagliari: as cidades que nos deslumbran com a sua grandeza demonstran por si mesmas que os herdeiros dos que tanto fizeram são quem de fazerem muito mais.
Con todo o que tem de trabalho e cultura, esta realidade revela que em Itália não só estão presentes as consequências políticas dos traumas do século XX, padecendo também as derivadas da formação no século XIX, baixo a monarquia Saboia, de um Estado que, constitituíndo-se como uma entidade centralizada e uniformizada, negou a vitalidade imensa da diversidade do país, querendo substituila por um poder jacobino que, pretendendo ser racional e ilustrado, deviu em capador. Não há mais percorrer as ruas derramadas de uma cidade tão maravilhosa como Nápoles, ou o espaço estragado entre Catánia e Augusta em Sicília, para comprovar as consequências do domínio de um centralismo ineficiente e da corrupção mafiosa onde deviam reinar o autogoverno, a responsabilidade, a transparência e o peso da lei aplicada por um poder democrático.
A sociedade italiana tem capacidades suficientes para recuperar o tempo político perdido. Combatendo sem complacências a demagogia populista e desde uma visão federalista e descentralizadora das responsabilidades, a esquerda tem que recuperar o impulso transformador, achegando à riqueza da diversidade histórica que permanece em todo o país ao espirito fondamente democrático do partido de Enrico Berlinguer e do seu colega Giorgio Napolitano, agora Presidente da República simbolizando a permanência de ideais nunca abandonados.
(Antes de retornar a Italia como senador vitalício, Giorgio Napolitano presidia no Parlamento Europeu a Comissão Constitucional, na que como deputado por Galiza, eu era um dos membros. Eramos e seguimos sendo parte da esquerda européia e assim o expresamos no trato amistoso mantido).
Camilo Nogueira Román naceu en Lavadores (Vigo) en 1936. Enxeñeiro industrial e economista, foi eurodeputado polo BNG entre os anos 1999 e 2004.